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TENDÊNCIA ELEITORAL PARA O FIM DOS TEMPOS

Entre as características que costumavam impactar as disputas pelo voto popular sob a égide do espírito democrático, estavam as abordagens concretas de cunho objetivo, campo onde as discussões versavam sobre temas linkados a saúde, educação, mobilidade urbana, desenvolvimento econômico, fortalecimento dos mecanismos de transparência governamental, equidade e justiça social, entre outros. Todavia, na última década foram resgatados elementos consubstanciados em argumentos mágicos, inseridos em percepções rudimentares de mundo com contornos opacos, tribais e primitivos. Nesse contexto, os limites estabelecidos pelo pensamento racional perderam prevalência e abriram caminho à ativação sensorial típica do gênero neanderthalensis, mecanismo que remodela o princípio das escolhas cognitivas e inferência ao sentido das coisas, baseada em reconexões com padrões neurobiológicos primordiais, próprios de nossos ancestrais que vivam em cavernas. Ou seja, em pleno século XXI, presenciamos o ressurgimento de eleitores conectados ao universo fantástico e incorporados ao comportamento linguístico alinhando à energia pré-verbal.

TENDÊNCIA ELEITORAL PARA O FIM DOS TEMPOS
Nilton C. Tristão / Cientista Político

TENDÊNCIA ELEITORAL PARA O FIM DOS TEMPOS


Entre as características que costumavam impactar as disputas pelo voto popular sob a égide do espírito democrático, estavam as abordagens concretas de cunho objetivo, campo onde as discussões versavam sobre temas linkados a saúde, educação, mobilidade urbana, desenvolvimento econômico, fortalecimento dos mecanismos de transparência governamental, equidade e justiça social, entre outros. Todavia, na última década foram resgatados elementos consubstanciados em argumentos mágicos, inseridos em percepções rudimentares de mundo com contornos opacos, tribais e primitivos. Nesse contexto, os limites estabelecidos pelo pensamento racional perderam prevalência e abriram caminho à ativação sensorial típica do gênero neanderthalensis, mecanismo que remodela o princípio das escolhas cognitivas e inferência ao sentido das coisas, baseada em reconexões com padrões neurobiológicos primordiais, próprios de nossos ancestrais que vivam em cavernas. Ou seja, em pleno século XXI, presenciamos o ressurgimento de eleitores conectados ao universo fantástico e incorporados ao comportamento linguístico alinhando à energia pré-verbal. Degradações medulares, geralmente dissociadas de sentido lógico, mas altamente comprometidas com natureza simbólica e deterioração de fundamentos psíquicos que visam organizar sensações difusas. Em outros termos, deuses e demônios em batalha pelo controle das mentes na redefinição da tangibilidade factual, genuína divisão epistêmica que separa os habitantes das urbes do ambiente selvagem dos orcs. Sigmund Freud diagnosticou os sentimentos de impulsividade, instabilidade e sugestionabilidade enquanto vetores indispensáveis na construção do comportamento de massa, circunstância que na contemporaneidade ganha imensa potência graças à amplitude, capilaridade e aderência das redes sociais. Diante desse ambiente volátil, estrategistas como Steve Bannon tentam incansavelmente destruir a dimensão verossímil das relações coletivas para substituí-la por ilusões de um passado glorioso. Para tanto, faz-se valer dos arquétipos de redenção, pureza, reconquista e desejo de retorno. “Nós somos o verdadeiro povo. Somos a resistência.”; postulado que fortalece os impulsos de ódio e ressentimento, validados como força motriz de uma luta justa, patriótica e cristã, portanto, legitima o uso da violência, uma vez que se refere a atos voltados à “missão divina”. Nessa conjuntura, o autêntico torna-se irrelevante diante de convicções fabricada em linhas de produção que manufaturam serviçais com emoções extremadas, tendo o único objetivo de difundir o fanatismo sob o manto da racionalidade política. Destarte, como a civilização combaterá as realidades psicossociais paralelas? Não existe outra saída, a não ser a descoberta de antídotos aos pilares da comunicação obscurantista, a saber: redenção nacional, conflito do bem versus mal, culto à virilidade heroica e apocalíptica, supremacia natural e guerra espiritual, exaltação do homem comum em detrimento de elites culturais e pensadores científicos. Efetivamente, candidatos em sintonia aos ideais iluministas necessitarão transmutar as narrativas míticas para a esfera civilizacional, evidenciando que a sensação de pertencimento reside na assimilação de afetividades como empatia, acolhimento, respeito e tolerância, além de demonstrar que a exclusão de semelhantes significa um beco sem saída para nossa espécie. As campanhas eleitorais precisarão realizar a mutação da linguagem simbólica e metafísica em instrumentos libertadores de pesadelos. Em síntese, estamos perante uma crônica que vem propagando a doença da amargura, fato que nos impõe a missão de inserir táticas de terapia psicossocial que cuidem do sofrimento coletivo de forma integral, reconstruindo vínculos e produzindo novos sentidos existenciais.

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